Pequenos clássicos da comunicação passivo-agressiva

João Luis Jr.
4 min readApr 19, 2022

Muito se fala sobre comunicação não-violenta, que seria uma maneira empática de se conectar com o interlocutor, expressando sentimentos com mais clareza e contribuindo para “desescalar” conflitos. E obviamente, existindo uma comunicação não-violenta, é muito evidente que existe também a comunicação violenta, que é aquela que, ao trabalhar com conceitos totalmente opostos, busca sempre oferecer o mínimo de empatia, a total ausência de conexão, maximizando a confusão e trabalhando de maneira intensa para oferecer uma escalada de conflitos que possa terminar com uma troca de ofensas, um bate-boca na fila do Hortifruti, uma facada dentro do transporte público.

Mas se a comunicação não-violenta e a comunicação violenta tem objetivos muito claros e um potencial acadêmico já vastamente debatido, pouco se discute, ao menos nas redes sociais, sobre a comunicação passivo-agressiva, que reside exatamente nos vãos entre a comunicação não-violenta e a comunicação violenta, habitando o vácuo da falsa simpatia, incentivando a conexão que não conecta de verdade, incitando o conflito enquanto finge que, não, que isso, eu tô bem, por que eu estaria nervoso, aconteceu alguma coisa? Eu nem notei. Seguem abaixo alguns exemplos de comunicação passivo-agressiva vistos no convívio social contemporâneo.

O comentário de “nem chama” em fotos de galera no Instagram: dois dos principais traços da comunicação passivo-agressiva bem feita são “sinuosidade” e “culpabilização velada do outro”. Porque quando, por exemplo, você vê numa rede social que alguns amigos seus realizaram alguma atividade sem a sua presença e gostaria de ser chamado para os próximos eventos, são várias as abordagens possíveis. Você pode ser indireto e comentar algo simpático na foto para ser lembrado, você pode convidar esses amigos para algo no privado, você pode até mesmo incorrer na petulância de um “só faltou eu aí kkkk”, insinuando que qualquer experiência se torna melhor com a sua presença. Mas apenas o “nem chama” consegue não apenas transformar a alegria alheia em um ataque direto a você como ainda culpabilizar a pessoa que postou a foto pela sua alienação social (“como assim você ousa fazer algo sem me chamar?”). Afinal, pra que dizer um “gostaria de sair mais com vocês” se você pode dizer “vocês são terríveis por não me chamarem pra sair”.

A pessoa que fala “dormiu comigo?” se você passa por ela sem dar bom dia: outro exemplo clássico das duas premissas básicas da comunicação passivo-agressiva, o “dormiu comigo?” consiste na ideia de que, se uma pessoa, logo no começo do dia, possivelmente apressada, confusa de sono ou exausta por alguma razão, acaba se esquecendo de te oferecer um cumprimento de bom dia, é muito mais fácil, prático e cômodo, abordar a pessoa com alguma forma esquisita de ironia do que apenas dizer você o “bom dia”. Sim, porque sendo o “bom dia” um cumprimento de mão dupla, a iniciativa poderia vir de qualquer uma das duas partes, mas com certeza, entre iniciar o bom dia ou culpar o próximo por não ter iniciado o bom dia, para algumas pessoas a segunda opção é bem mais interessante.

90% das pessoas que reclamam de ficar no “visualizado” em mensagens não profissionais/comerciais de Whatsapp: existem inúmeras razões pra que uma pessoa não responda uma mensagem recebida num aplicativo, desde falta de tempo até falta de interesse e em praticamente nenhuma delas vai ser uma indireta em rede social ou o envio de novas mensagens que irá efetivamente resolver a situação. Se a pessoa está passando por um momento complicado? Cobranças não vão ajudar. Se a pessoa está cheia de coisas pra fazer? Ela não vai ter tempo de ver a sua indiretinha nos stories. Se a pessoa já não queria responder a sua mensagem? Não vai ser por conta de mais 5 mensagens cobrando resposta que ela vai se motivar. Então quase sempre cobrar resposta é não apenas a maneira menos eficiente de tentar ser respondido como possivelmente a mais certeira de garantir que a pessoa não vá mesmo sentir vontade de te responder.

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João Luis Jr.

quando eu tinha 10 anos uma professora disse que eu escrevia bem. até hoje estamos lidando com as consequências desse mal-entendido